segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Das dores....


Porque só uma via para qualquer dor ser boa. Quando ela é via de crescimento, de aprendizado. Quando ela traz lucidez, quando ela, que nunca é agradável, porque dói, traz consigo alguma consequência boa. Consequência essa, que a princípio não fica muito clara. Porque os efeitos colaterais são tantos. Cara inchada, dor de cabeça, dor de cotovelo. Cabeça girando.

Mas há de ter algo bom pra quem acredita que, se é seu melhor investimento. Há algo de positivo em chorar quando se sabe exatamente porque se chora. Porque há no choro algo que lava. Algo de desapego. Há o outro lado do fim. A possibilidade de um novo começo. De um caminho mais claro.

O irônico da dor é como ela muda quando a gente muda. Como a convivência com ela pode ser pacífica. Como se a resignação fosse cama para o corpo e alma cansados. É engraçado como mesmo quando nada sai como se quer, ainda assim, ironicamente, pode ser a melhor forma que tudo tinha que acontecer.

“It`s been a bad day...” E Ana era bem assim, doida varrida. Vivia dores doídas. Chorava de soluçar mas sabia dar a volta por cima como ninguém. Ana não gostava de pedaços que não coubessem em sua inteireza. De fato, fazia muito, Ana era feita de pedaços desconexos, como um quebra- cabeças que nunca tem fim.

Mas quando Ana achou o fio da meada começou a não se satisfazer mais com partes porque ela já era um todo e nada meio a interessava. Nem meio amor, nem meia raiva, nem meio afago, nem meia hora, nem meio dia.

Então, naquele dia, quando Ana viu Felipe sair pela sua porta Ana chorou. Não chorou meio. Chorou de encher rio, de soluçar, de olhos vermelhos. Mas Ana sabia agora ser inteira, até na tristeza.

E apesar de, porque na vida se vive apesar de. Ana sentia uma calma de quem fez a coisa certa. Agora ela estava pronta pra bater a porta que Felipe deixara entreaberta.

 Daniel Powder - Bad Day

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Das sextas...


Era sexta. Ela tinha as unhas pintadas de vermelho e sentia que algo estava prestes a acontecer. Depois de um longo período divida entre duas possibilidades agora enxergava as outras milhares que sempre estiveram bem ali.

Era sexta e ela sabia bem o que isso queria dizer. Sentia um que de euforia, de alívio, de vida. Seus olhos brilhavam e estava muito bem acompanhada de si mesma. Porque hoje ela sabia ser e era sua melhor companhia. Pisava firme. Subia a rua desfilando e até as cantadas a faziam rir. Devia estar exalando. Algo assim de descompromisso.

Dançava nua porque queria sentir que o vento lhe vestia o corpo e a alma. Ansiedade fora embora e agora ela gargalhava porque seu sorriso era lindo e capaz de iluminar qualquer negritude.

Hoje era o dia dela. Enfim aprendera a ser só. Só, somente o que queria ser e passear por aí sem o compromisso com hora ou com qualquer outra coisa que não fosse a si mesma.

Era sexta. Em sua bolsa só carregava o essencial: liberdade, sorriso e charme. Aquele charme que lhe era peculiar. Hoje ela queria estar só. E só ela entendia como isso a preenchia.

 roy orbison - pretty woman

domingo, 18 de janeiro de 2009

Ne me quitte pas....


Que tudo na vida tem um preço talvez seja o mais antigo de todos os clichês. Algo do tipo” is the price I have to pay.” Nenhuma mudança acontece sem que antes se mate alguma coisa, alguma coisa que nos remeta imediatamente a um estado de espírito anterior do qual se quer livrar, deixar para trás. Creio eu, que assim o seja. E em toda morte o luto há de ser vivido para que se siga em frente.

Dia desses me peguei em luto de mim mesma. Luto do que decidi deixar para trás. Mas logo depois me veio o sorriso de quem mata pra renascer. Porque o maior medo é o de não mudar, quando tudo indica que há caminhos bem mais interessantes a serem percorridos.

Porque sou desse jeito mesmo, saudosa, intensa e um pouco dramática. Dia desses, vendo a minissérie Maysa ouvi que o nome de sua doença era excesso. Talvez, algum amigo mais próximo já tenha dito isso de mim. Sem muitos meio termos e às vezes sem termos. Ou tudo, ou nada. Uma hora cansa.
Há de se descer da corda bamba e viver uma vida mais amena, com sonhos menos ambiciosos mas mais paupáveis. Há de ter uma casa no campo, um mar de calmaria. Uma convivência pacífica nas horas de vazio, sem que para isso, tenha que se enfiar qualquer coisa que seja em todos os buracos.

Porque há vazios que falam mais que mil palavras. Assim como há silêncios que gritam e merecem ser ouvidos. Chega uma hora em que há de se conviver consigo mesma e provar o gosto doce dos seus próprios anseios, de suas angústias. Tudo é posicionamento.

Como se colocar frente às questões que estão ali só pra mostrar que é hora do velho sair de cena, que criar requer paciência e tolerância. Transferência para o outro não me parece mais satisfatório. Creio eu, que seja mais interessante tomar as rédeas da vida.

De repente o insuportável vai ficando cada vez mais suportável e divertido. São tantas partes varridas para debaixo do tapete e hoje faço questão de juntá-las, todas. Uma a uma. Mesmo as que me fazem arregalar os olhos.

Em situações extremas só se enxerga o que se tem a ganhar quando tudo se perde. E como há tempos me perdi toda do meu tudo há chegada a hora de ganhar. De criar e resgatar. Pequenos prazeres que a parte de mim bem resolvida jamais se esqueceu.

Algo como champagne com morango, camisola de seda, som nas alturas, gargalhadas e um certo quê de narcismo que minha imagem refletida no espelho me causa. Meu corpo, morada do desejo mais profundo. Do anseio de mudar.

Minha ferramenta mais nua e crua, que ganha alma e canta contente minhas aflições como quem prevê tempos de grandes descobertas e de plenitude. Plenitude dos momentos comigo mesma. Plenitude de quem aceita que a vida não é plena, mas que tem muito a oferecer. De quem se apaixona por si mesma, mesmo com tantos e inúmeros defeitos e pontos de interrogações.

Do encontro mais bonito que só acontece quando se abre a alma e deixa a brisa carregar o que já é morto. E traz caneta colorida e porpurina para um novo contorno.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Tudo novo de novo


Naquele dia as horas ficaram estanques, o corpo molhado e a respiração acelerada. Naquele dia era tudo novo de novo, porque assim era toda vez que aqueles dois corpos se encontravam. Naquele dia, era só aquele dia com cheiro de flor. Naquele dia, só existia aquela cama.

Naquele dia se fazia poesia sem palavras, poemas sem versos. Descobriam-se os mais perfeitos movimentos e a leveza da alma de quem vive só aquele dia. Naquele dia não existia ontem e sequer a promessa de um amanhã. Vivia-se a plenitude do único de tantos outros únicos. Era tudo novo de novo.

Chovia lá fora e ardia aqui dentro. Eram dois corpos em perfeita sinergia. Era vontade, era desejo. Era cumplicidade de duas pessoas que se atreveram a viver, era tudo novo de novo.

E aquele dia ficou marcado até que novos dias aconteçam. Aquele dia era meu, mas resolvi te dar de presente só pra te fazer de testemunha daquele dia que merece ser lembrado. Era meu e de repente quase seu e por fim tão nosso.

Aquele dia eu me vesti só pra te dar o prazer de arrancar a minha roupa. Naquele dia te dei um pouquinho de mim e você me deu horas de orgasmo, sorriso sincero e cansaço.

Aquele dia tão meu agora também é seu. E é tudo novo de novo.


 Moska - Tudo novo de novo

domingo, 4 de janeiro de 2009

De pique-esconde...


Era uma vez uma menina muito medrosa e que adorava brincar. Sua brincadeira preferida? Esconde-esconde. Escondia-se o tempo todo. Das dores, dos amores, da insegurança, da solidão, das incertezas, da inveja alheia.

O curioso é que essa garotinha sonhava grande. Sonhava em ter o mundo, em ser gente grande, em ser reconhecida, em ser bem amada, em brilhar. Sim, ela sempre gostou de porpurina e paetês. Lembro-me bem seu caminhar em cima de seus saltos agulhas, de seu rosto pintado de desejo.

A pequena garota de certo não nascera para viver a sombra de qualquer que fosse o poste, seu brilho contagiava a quem tinha a sorte de ser chamado de amigo por ela. Mas ali estava. Aquela garotinha que cismava em brincar de esconde- esconde.

Escondeu-se tanto que acabou se escondendo de si mesma. Acabou perdendo o contato com sua musa interior. Escondeu-se da dor mas perdeu a chance de viver uma linda história. Escondeu-se do risco mas acabou por não viver uma grande conquista. Escondeu-se de suas fraquezas e acabou se perdendo.

Um dia, essa garotinha ousou sair da sombra e parar de se esconder. Do fundo daquela caverna já havia se esquecido como a luz da vida é intensa. Capaz de deslumbrar e ao mesmo tempo cegar temporariamente aos que se atrevem a ver um pouco mais que sombras na parede.

Aos poucos, de atrevida que era ela, caminhava. Seus passos sempre para frente, jamais para trás. Caminhou, caminhou. Às vezes sentia-se só, até compreender que ela era sua melhor companhia.

Um dia encontrou uma pedra muito sábia a quem deu ouvidos por horas. A pedra lhe dissera que se ela queria brilhar não podia mais se esconder. Muito resistente, a menina ficou pensando em como nunca mais brincar de esconde-esconde se essa fora sua brincadeira preferida desde criancinha.

Aos poucos a menina tentou, sem nenhuma promessa de conseguir. Tropeçou uma, duas, centenas de vezes. Mas de repente lá estava ela. Não mais verde, agora sua cor era vermelho, assim como o tapete vermelho que a vida gentilmente lhe estendia.

Acabou o esconde- esconde e agora dizem que ela anda por aí divertindo gente e gozando a vida. Dizem que tempo passou e aquela garotinha deu espaço a uma linda mulher. Dizem que em dias de gotas no céu ela ouve música alta e sente a vida toda sua.